É claro que o passado não volta, mas pode ser revisitado de formas diferentes. Há registros físicos, como fotos e objetos. E os subjetivos e abstratos, como memórias, relatos e reencontros que podem nos fazer voltar no tempo por meio de pessoas que nem à família pertencem.
E assim, reconstruímos a nossa própria história, por intermédio de quem sequer imaginávamos saber da nossa existência. Encontros imprevistos entre desconhecidos que também são parte da nossa vida, ainda que indiretamente, porque lembram dos que não estão mais aqui. É uma maneira de reverenciar o passado que nem nós, na maioria das vezes, lembramos ou sabemos que existiu.
Dia desses encontrei o ex-prefeito de Estância Velha, Nestor Luiz Trein, na Feira do Livro de Ivoti. Para minha surpresa, ele conheceu minha bisavó, Isolde Haas, e meu avô, Paul Victor Haas, que residiram por anos naquela cidade. Deixaram um legado e lembranças que o seu Nestor me contou entusiasmado. E eu, mais ainda, por poder resgatar parte dessa memória ainda viva nele e, por consequência, em mim.

Foi como voltar no tempo e ver minha bisavó e meu avô juntos, naquela casa que fazia esquina com a rua que hoje leva o nome dela, Isolde Haas. O terreno, já vendido após a morte de meu avô, ainda conserva algumas árvores plantadas por ele, por minha avó e acho que até por minha bisavó. Outras já não existem mais, assim como a casa que foi demolida.
Passei por ali, recentemente, e me vi correndo entre as bergamoteiras com os meus primos, nos domingos ensolarados de inverno, quando nos encontrávamos para rever o vô e a vó. E os reencontrei, novamente, ao olhar a grama do pátio, agora, pertencente ao vizinho, tão verde quanto era naquela época. Senti o cheiro da comida e o calor do abraço de todos, naqueles dias felizes, quando a morte ainda estava distante, escondida atrás daquele muro alto, a espreitar com tédio, desinteressada, qualquer um de nós.
Hoje, da casa nada restou. No pátio, uma ou duas bergamoteiras. A caneleira me pareceu a mesma, assim como os gritos e sorrisos que espalhamos pelo jardim e que ainda estão por ali, em algum canto, porque os ouvi ao cruzar a esquina e seguir na minha corrida pelo bairro que leva o nome da minha mãe, Lyra, por sugestão do meu avô.
Do seu Nestor fiquei sabendo algumas curiosidades da minha bisavó, por nós carinhosamente chamada de Vó Velha, a melhor enfermeira do bairro, com sua maleta e injeções esterilizadas no álcool para curar os doentes. E a todos atendia prontamente, sempre que chamada, mesmo após a morte do meu bisavô, Richard, médico com a mesma vocação comunitária.

Teimosa, como meu avô (e outros descendentes da família, devo reconhecer), mas obstinada e disciplinada, a ponto de seguir tocando o órgão da igreja Evangélica Luterana por muitos anos e deixar para nós o legado de amor à música, que carrego comigo até hoje.
Assim como a rua da dona Isolde Haas continua a mesma da minha infância, o terreno da casa do vô, também. Ainda ontem, ao passar por ali, o vi sentado na varanda com seu chimarrão lendo o jornal da cidade, com crônicas escritas por ele.
O cachorro ronda o pátio e as roseiras, para mim, ainda florescem vermelhas como naquelas primaveras distantes, onde para nós o que importava era estarmos juntos na casa dos avós, brincando de viver.
Essa crônica, seu Nestor Luiz Trein, foi a forma que encontrei de agradecê-lo por resgatar em mim a vida que me trouxe até aqui!
E para quem não sabe, ele é “O pai do Voltér”, mas tem que ler o livro dele para saber mais!