Demorou para a TV em cores chegar lá em casa. Era tudo em preto e branco, mesmo, e ninguém reclamava.
Assistíamos ao que era permitido e com pouquíssimas opções nos três canais que pegavam. Com sorte e muitos chuviscos, quatro.
A primeira imagem colorida em uma TV eu vi na casa de uma colega, em um dia de São João. Estávamos vestidas de caipira e lembro que passava um desenho chamado Os Herculóides. Uns bichos simpáticos e esquisitos que mudavam de forma, de acordo com o desenrolar da história. Um dia memorável e inesquecível, assim como quando meus pais compraram a nossa primeira TV colorida, muito tempo depois.
Com o telefone foi a mesma coisa. Aparelho de discar, com linha, e que custava uma fortuna. Mercadoria de luxo, talvez até mais cara que a TV, hoje acessível a preços bem mais em conta ou em até 24 vezes no crediário, para quem ousa se endividar.
Cada objeto desses tinha, e ainda tem, um significado de conquista e de ascensão social. Dava status ter um desses, mas também representava a inclusão em um novo mundo, cheio de novidades, até então restrito a poucos privilegiados. Como hoje, mas só que muito mais difícil para a maioria, em uma época em que nem havia cartão de crédito.

Hoje tudo está a um clique na tela de um celular ou de um computador e ninguém nem repara mais nas cores daquele desenho animado ou no quanto o telefone se transformou em algo imprescindível e fonte inesgotável de informações e serviços.
O progresso evidente, porém, não incluiu a todos, infelizmente. Milhares de pessoas no mundo não ganham sequer para comer, quanto mais para comprar uma TV ou um celular modernos. A realidade não corresponde aos desejos inacessíveis dessas pessoas.
A linha da desigualdade subtrai, impede e barra o acesso de quem nunca terá a senha para avançar e ascender socialmente. Por incrível que pareça e com todo o desenvolvimento tecnológico, há que ser um Herculóide para conseguir se moldar a uma sociedade tão disforme e desigual.
Mais que o sonho de consumo, mais que a rala informação, o ser humano é adaptado para evoluir com o conhecimento. E, sem atos de heroísmo, deveria conseguir, por seus próprios méritos e esforços, conquistar as condições básicas para sobreviver, com ou sem a melhor televisão, com ou sem o último modelo de celular, mas com a certeza de que teria condições para comprar e até de sonhar, sempre, com o melhor.
Porque do pior, a humanidade já provou demais.