Semanalmente ou a cada quinze dias compro ossos para os meus cachorros roerem, além de um pouco de carne moída de segunda para complementar a ração. Nos últimos dias, ao chegar no balcão do açougue para comprar os restos que ninguém quer (ou não queria, até pouco tempo atrás) percebo a reação do funcionário quando diz: “Hoje não tem, mas volta amanhã”.
Eu volto ou me dirijo a outro açougue e compro, claro, pedaços de fêmur ou ossos de porco para a cachorros, mas não sem um certo constrangimento. Há muitas pessoas se alimentando disso e, talvez, o funcionário do estabelecimento disfarce, pensando que os cães sejam a desculpa para o alimento de pessoas, o que, felizmente, não é o meu caso.
Mas lembrei que, na minha infância, onde nunca faltou comida, havia ossos na sopa e no feijão, para dar mais sabor à refeição. Isso nunca foi problema e tudo era reaproveitado, na medida do possível e dos recursos financeiros.
O tutano e a cartilagem desses ossos têm nutrientes, mas não podem ser a principal refeição de uma família. Nunca!

Nós, os privilegiados por natureza, acaso ou destino, sabemos que a extrema miséria, agravada pela pandemia, se alimenta de ossos. Carne moída de segunda, terceira ou quinta é luxo para muitos, que dirá o resto, essencial, mas sem a menor chance de ser incluído no carrinho do supermercado.
Enquanto comem o tutano para lembrar que um dia existiu carne ali, revestindo aqueles ossos, constato que é justamente isso, tutano, o que falta aos nossos governantes para gerenciar, pensar e dar uma vida digna à essa gente que disputa os restos.
E caso os senhores, ilustríssimos políticos deste país, se interessem pelo assunto, basta entrar na fila e comprar o que sobrou e vira sebo para fazer uma bela sopa, com direito a tutano e tudo, por um valor irrisório de 2 reais ou talvez, agora, o dobro, já que a gasolina aumentou.
Pode dizer que é para o cachorro. Se tiver sobrando, leva até de graça. Bom apetite!