Artigo: Vamos caçar os “privilegiados”?

*Diogo da Silva Corrêa

Vivendo sob intensos ataques, a classe dos servidores públicos vem de há muito sendo apontada como a vilã das contas públicas. Será mesmo? A tramitação da Emenda Constitucional (EC) nº 32/2020 traduz esse sentimento e aponta que é preciso desestruturar o serviço público como um todo para que atravessemos a crise que ainda virá. O fato é que ela é um passo além da EC 95/2016, que congelou o orçamento para os serviços públicos por 20 anos, asfixiando a oferta de atendimento à população.

Serviços que hoje são universalizados por força Constitucional, como saúde e educação, passariam a ter atuação do Estado somente de forma complementar ao que o setor privado não pode ou não quer atender. A pandemia do Covid 19 não deixou dúvidas quanto a necessidade dos serviços públicos, seja no atendimento direto da saúde, seja na assistência social, etc. Se hoje os serviços públicos já são insuficientes, depois de aprovada a EC 32/2020, como ficarão aqueles que não podem pagar pelos serviços privados?

Outro exemplo é o da ciência, tão necessária para elaboração de soluções efetivas para a sociedade, a qual necessita de um olhar amplo e que não esteja vinculado apenas ao lucro, como ocorre no setor privado. São nas Universidades Públicas onde se encontram os mais aprofundados estudos e a melhor qualidade no ensino, conforme dados do INEP[¹]. Historicamente, o setor privado pouco investe em pesquisa. Sem o setor público, quem se responsabilizará por essas demandas?

Uma das tantas falácias da “Reforma Administrativa” é a de acabar com privilégios. Numa rápida olhada no texto observa-se a ausência de carreiras como a magistratura, procuradores e promotores e militares, cujas “vantagens” são mais recorrentes, maiores, e servem para assegurar pagamentos acima do teto do funcionalismo. Paulo Guedes já anunciou seus planos para a cúpula dos poderes. Sob o argumento de que “temos que ser mais meritocráticos”, o ministro da Economia afirmou, referindo-se a casos como o da Presidência da República e do Supremo Tribunal Federal (STF), que “é evidente que eles têm que receber muito mais do que recebem hoje”. Atualmente, os ministros do STF recebem o teto de R$ 39,2 mil por mês, mais penduricalhos. Ou seja, será mesmo que a saída da crise é atacar os direitos da professora municipal, da merendeira da escola, da enfermeira do posto de saúde? Esses são os “privilegiados”?

A estabilidade é um outro exemplo: instituto que tem sua função tão distorcida, principalmente pela mídia, e que na verdade é uma proteção para a própria sociedade. O servidor estável fica mais protegido de perseguição política e a pressão das chefias para cumprimento de ordens indevidas ou ilegais, evitando, por exemplo, que “passem a boiada”, enquanto todos estão preocupados com a pandemia. Além disso, um servidor estável não se sujeita ao crime de peculato (ou corrupção passiva) ao participar das conhecidas “rachadinhas”, como só apadrinhados de políticos corruptos se dispõem ou são obrigados a participar.

Esses são apenas alguns exemplos do tamanho do problema que temos de enfrentar. O fato é que as reformas implementadas pelos últimos governos não trouxeram qualquer benefício para a sociedade e a EC 32/2020 segue, infelizmente, o mesmo destino. Não te enganes, a reforma administrativa é contra todos nós. Precisamos garantir acesso a mais e melhores serviços públicos, e não o contrário. Hoje, 28 de outubro, é o dia do Servidor Público, data que deveria servir para uma reflexão da população sobre essas questões.

*Artigo de autoria de Diogo da Silva Corrêa. Diretor do SINTRAJUFE-RS (Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do MPU no RS), Servidor da Justiça do Trabalho de Taquara, Bacharel em Direito e Mestrando em Desenvolvimento Regional pela FACCAT.


[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-10/universidades-federais-e-cursos-presenciais-tem-melhor-desempenho.
[2] https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/09/09/em-meio-a-falta-de-arroz-guedes-defende-salario-maior-para-bolsonaro.htm

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