Qual seria a palavra para esse momento?

*Arquivo de Nathalia Pedro

Ultimamente estamos sendo ouvintes de todo o tipo de notícias, trágicas e tristes, daquelas quase impossíveis de acreditar, como as das mortes dos meninos Miguel e Rafael – ambos foram vítimas de uma violência que nos faltam palavras para expressar. Um estava à procura da sua mãe, o outro foi vítima da própria mãe. Questões muito difíceis que nos chocam, nos machucam e nos levam a quase desacreditar que há bondade no ser humano.

As várias fontes de informação parecem se ocupar em noticiar as desgraças que a pandemia exacerbou: um cliente foi morto ao entrar em um comércio sem usar máscara (pelo dono do estabelecimento); o número de divórcios aumentou, assim como o consumo de álcool e medicações ansiolíticas; o número de casos de violência intrafamiliar também tem sido noticiado com aumento considerável… instintos primitivos do ser humano? falta de inteligência emocional? Falta de Deus? Tendência ao imediatismo?… Podemos encontrar diferentes teorias que tentam dar conta de explicar o que motiva alguém a agir dessas formas – e elas podem fazer sentido para algumas pessoas, enquanto que para outras podem não ser aceitas.

O meu objetivo aqui não é reproduzir tragédias ou provocar ainda mais desesperança em que lê as minhas escritas – não mesmo. Embora a tristeza, as violências, os traumas, as dificuldades, dentre outras situações, fazem parte da nossa realidade. Uma das minhas intenções é promover reflexões que potencializem a saúde emocional, que auxiliem quem lê ou escuta minhas palavras a olhar com esperança para a vida, mesmo em meio aos problemas.

Palavras para o momento: Adaptações/Reinvenções/Flexibilidade/Rearranjos/Soluções/ Criatividade/Aproximações/Reestruturações/Resiliência

Então, o que acham de olhar juntamente comigo para alguns bons exemplos de resiliência?

Por resiliência entende-se como a capacidade de quem se adapta às intempéries = infelicidades, calamidades. Não significa adaptar-se no sentido de acostumar-se e resignar-se com as “desgraças” da vida, mas olhar para isso como uma mola propulsora para uma nova realidade. Possibilidade de transformação! Você deve estar pensando…como assim?

A resiliência que falo é um recurso interno (psicológico) do ser humano, que pode ser fortalecido nos momentos de crise, ou seja, precisa das crises para ser trazido à tona. Quando as situações difíceis da vida nos colocam à prova, quando as infelicidades tendem a continuar nos rodeando, quando as nossas dores emocionais não encontram palavras para saírem de nós e aparecem sob as formas de sintomas corporais, estamos diante das possibilidades de fortalecermos a resiliência. Li uma citação de autor da minha área, o qual admiro e tenho como exemplo de resiliência, dizer o seguinte:

Quando o trauma obriga à transformação por causa do colapso psíquico que
provocou, a resiliência convida à metamorfose que transforma um
dilaceramento em força, uma vergonha em orgulho. (CYRULNIK, 2006, P. 174)

Estamos diante de um evento estressor, a pandemia da Covid-19. Está sendo traumático para muitas pessoas, em diferentes proporções – empresários à beira da falência; comerciantes que se vêem diante da falta de recursos financeiros para manterem suas portas abertas e sustentar suas famílias; profissionais de saúde diante do risco intenso de contaminação; idosos que vivenciam o impedimento de conviver com filhos e netos (numa fase que isso é vital para muitos deles); crianças privadas do convívio com colegas e da aprendizagem riquíssima que se dá através dessas interações; professores que estão sendo exigidos pela instituição para darem conta de transmitirem conteúdos – sem preparação prévia…sem falar nas famílias que se desdobram para dar conta dos cuidados com os filhos, do trabalho e das infindáveis tarefas domésticas, sem ajuda externas. São tantas situações que podemos citar…

Mas o que nos interessa é a capacidade de adaptação que estamos desenvolvendo nesse tempo.

Essa capacidade tem sido um dos requisitos necessários e valorizados por grandes empresas em meio à pandemia, assim como por vários outros segmentos da sociedade. Para além disso, quando sabemos de pessoas se reinventando no trabalho, nos relacionamentos, no cuidado com suas crianças e consigo mesmo, estamos diante de exemplos vivos de resiliência. Aquela empresária que também é mãe, que se desdobra para dar conta do trabalho e dar atenção aos filhos – nem que, para isso, precise dormir menos que o habitual – é exemplo de resiliência. Aquele trabalhador que, diante do desemprego, inventa seu próprio negócio, aquela trabalhadora que começa a vender kits de sopa para driblar a redução salarial, são exemplos de resiliência.

E as novas formas de convivência por meio das tecnologias? As interações afetivas que são possíveis através das vídeo-chamadas ou dos aplicativos de reuniões on-line? E as sessões de cinema em família que passaram a acontecer com frequência nesse momento? E as novas formas de ensino, necessárias por causa da pandemia e que, após o desespero inicial de alunos, pais e professores, se tornaram imprescindíveis para que os alunos continuem seus processos de aprendizagem? E os inúmeros atrativos culturais disponibilizados de forma on-line – visitas a museus em todo o mundo, Lives de alta qualidade musical?

Estamos diante da capacidade de adaptação do ser humano!!! As experiências desafiadoras são oportunidades para aprendermos novas respostas adaptativas no enfrentamento de adversidades e ativar processos de resiliência.

Trouxe aqui alguns exemplos de como podemos ver isso. E isso é possível, não só para o outro, mas para cada um de nós. Como diz uma música do Titãs, “cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração”! Cada um de nós sabe quais os desafios, as crises, os traumas que temos! Mas podemos, também, exercitar o nosso olhar para enxergar essas crises como oportunidades de fortalecer a resiliência e entender o seu significado, na prática.

Gostaria de propor um “desafio”: e você, como está vivenciando seu processo de resiliência nesse momento?

Adoraria saber e ser inspirada através do seu exemplo!

E se não está sendo possível ter esse olhar resiliente, estou à disposição para conversar.

Um abraço caloroso, Psicóloga Nathalia Pedro.

Atendimentos on-line e presenciais.

REFERENCIAS

CYRULNIK, B. Falar de amor à beira do abismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

LINHARES, Maria Beatriz Martins; ENUMO, Sônia Regina Fiorim. Reflexões baseadas na Psicologia sobre efeitos da pandemia COVID-19 no desenvolvimento infantil.Estud. psicol. (Campinas),  Campinas ,  v. 37,  e200089, 2020 . https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200089.

*** Conteúdo produzido por Nathalia Pedro, psicóloga com ênfase clínica e pós-graduanda em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica. Um dos seus propósitos de vida é auxiliar pessoas em seus processos de autoconhecimento, fortalecimento emocional e enfrentamento de suas angústias, ajudando-as a ressignificarem suas dores e olharem para seus recursos de saúde. Atende crianças, adolescentes e adultos, presencialmente e on-line. Nathalia foi colunista do Drops entre fevereiro e outubro de 2020.  

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2 comentários

  1. Olá Nathalia Pedro !! Excelente artigo; Um olhar preciso do panorama pandêmico que estamos vivendo nos dia de hoje.
    Uma grande realmente extraída de cada seguimento e áreas de nossas vidas.
    Resiliência e a palavra do momento
    Ótima percepção parabéns abraço

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