Já faz parte do senso comum que temos excesso de funcionários públicos no Brasil e que é uma necessidade a diminuição dos quadros, seja na esfera municipal, estadual ou federal. Contudo, se fizermos uma análise mais cuidadosa, essa conclusão perde sua base de sustentação. Vivemos em meio a um emaranhado de informações distorcidas, algumas por ignorância e muitas por interesses nada republicanos. É preciso tentar clarear o debate.
Se fosse verdade a cantilena: “a máquina pública está inchada”, o Brasil estaria nas primeiras colocações no ranking mundial nesse quesito. Entretanto, em uma amostra[1] de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[2], não chegamos nem perto disso: na comparação com os 29 países do bloco, mais Letônia, Ucrânia, África do Sul e Colômbia, o Brasil figurou na 26ª posição, com 12% dos trabalhadores totais vinculados ao serviço público. Os dois países com maior percentual (35%) foram Dinamarca e Noruega.
A partir desses dados, podemos analisar outro enfoque que pode contribuir nessa discussão: utilizando o ranking dos países com melhor índice de desenvolvimento humano (IDH)[3] e seu contingente de servidores públicos, teríamos os países mais desenvolvidos com menos trabalhadores no setor público, correto?
Não. Com dados também de 2014, podemos observar que nenhum dos quatro primeiros da lista possui menos de 18% de trabalhadores alocados no serviço público, chamando atenção que a Noruega lidera a lista e a Dinamarca figura na 4ª posição, exatamente os dois países destacados acima com os maiores percentuais de servidores públicos.
Ademais, conforme estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)[5], o aumento gradual no número de servidores públicos municipais no Brasil acompanhou a proliferação de municípios emancipados, mais notadamente a partir da década de 1990. Por outro lado, na série histórica de 1986 a 2017, observa-se uma estabilidade na proporção de vínculos públicos nas esferas estadual e federal, girando em torno de 5% do total da população, sendo que, a partir de 2012, esse percentual tem sofrido uma pequena redução.
Outra análise necessária é de que, percentualmente, o número de servidores não acompanhou o total da população no período estudado. Ou seja, praticamente o mesmo percentual de servidores se manteve para atender uma população cada vez maior.
Esses são alguns poucos dados básicos para iniciar uma análise mais ampla sobre o tamanho e a importância do serviço público. Muitos outros são necessários para formar opinião e responder ao questionamento do título deste texto.
Assim, podemos demostrar a fragilidade dos repetitivos discursos ouvidos em campanhas eleitorais, no jornalismo em geral, nas rodas de conversa e em praticamente todos os espaços. Discursos que reforçam uma verdadeira campanha para demonizar o serviço público. É preciso lembrar que são esses trabalhadores e trabalhadoras que mantêm, muitas vezes sem recursos suficientes, uma rede de proteção social ao cidadão em áreas como educação, saúde, assistência social, dentre tantas outras, pensadas para o país pós Constituição de 1988.
Se antes eram a existência de direitos trabalhistas e a previdência social os entraves para o desenvolvimento do país, agora o vilão da vez parece ser o serviço público. É necessário cobrar dos gestores públicos soluções ao desenvolvimento dos territórios e ao enfrentamento às crises econômicas com bases sólidas, sem bravatas e que efetivamente enfrentem a raiz dos problemas. Evidentemente que adequações e ajustes são necessários nas mais diversas áreas do serviço público. Entretanto, o desmonte dos direitos conquistados nas últimas décadas certamente não reverterá em benefício da população, principalmente a parcela menos favorecida e que mais precisa do Estado.
A própria pandemia do novo COVID-19 pode nos deixar uma lição muito séria sobre o assunto, pois somente com um serviço público sólido, capacitado técnica e cientificamente, podemos nos organizar para o seu enfrentamento com o olhar comunitário e longe das individualidades mercadológicas. Pensemos sobre isso antes de formarmos opinião.
Artigo de autoria de Diogo da Silva Corrêa. Diretor do SINTRAJUFE-RS (Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do MPU no RS), Servidor da Justiça do Trabalho de Taquara, Bacharel em Direito e Mestrando em Desenvolvimento Regional pela FACCAT.
[1] Fonte: https://www.oecd-ilibrary.org/governance/government-at-a-glance-2015/employment-in-the-public-sector_gov_glance-2015-22-en.
[2] Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico é uma organização internacional composta hoje por 35 países membros, que reúne as economias mais avançadas do mundo, bem como alguns países emergentes como a Coreia do Sul, o Chile, o México e a Turquia.
[3] O Índice de Desenvolvimento Humano é uma medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de “desenvolvimento humano” e para ajudar a classificar os países como desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos.
[4] Baseado no relatório de 2017 do Bureau of Labor Statistics, o jornal The Wall Street Journal
[5] Fonte: http://www.ipea.gov.br/atlasestado/download/154/tres-decadas-de-funcionalismo-brasileiro-1986-2017