Estranhou andar sem máscara nos primeiros dias em que a pandemia deu uma trégua, pela primeira vez, em dois anos. É como se ele tivesse esquecido de colocar a roupa e saído nu rua afora. Mas o ar que refrescava seu pulmão o fez acordar para esta quase normalidade, não sem um certo sentimento de culpa por estar vivo, enquanto milhares de pessoas não tiveram a mesma chance.
Estranhou, mesmo assim, a sensação de alívio, como se renascer não fosse possível depois do pesadelo e do medo. E seguiu pela calçada olhando cada rosto sobrevivente. Apesar das sequelas, todos sorriam e se cumprimentavam como se recém tivessem descobrindo a vizinhança. Os nomes lhe vinham à mente aos poucos. O João, o Carlos, a Cristina, o Paulo, a Carolina e tantos outros foram sendo resgatados a cada quarteirão que atravessava, vagarosamente, para não ser surpreendido e errar o caminho tão arduamente conquistado.
Na esquina, alguém ainda usava uma máscara desconfiado da peste que, traiçoeiramente, poderia retornar e atacar os mais distraídos. De qualquer maneira, ele seguiu confiante, pulmões inflados de esperança. Uma trégua em tempos de guerra, quem diria.

Parou na praça e se acomodou em um banco para olhar as flores que brotavam no canteiro como se nada tivesse acontecido. A natureza insiste em se regenerar nas condições mais adversas, contrariando atos insanos do ser humano. Ainda havia cor do lado de fora e um sol radiante para lembrá-lo que logo viria a primavera, afugentando o frio de tão longo inverno.
Ao seu lado, alguém cantarolava uma canção conhecida, abafada pelo barulho dos carros que começavam a engarrafar o trânsito como antes, como sempre, como nunca. Já não estranhou o caminho de volta e seguiu com sua nudez invisível aos olhos de todos.
Era mais um, talvez algum ou nenhum, pouco importava. Era hora de retornar e resgatar um pouco da vida roubada, do tempo estancado, do ar sufocado e do anonimato que o acompanhava, agora, silenciosamente como a sombra das árvores ao longo da calçada.