O Veneno do Teatro: Osmar Prado e Maurício Machado falam sobre a força da arte e a passagem pelo interior do RS

*Por Ana Cristina Basei/Especial

No mês de julho, o Vale do Paranhana recebeu um dos espetáculos mais impactantes da arte brasileira contemporânea: O Veneno do Teatro, protagonizado pelos atores Osmar Prado e Maurício Machado, com música ao vivo do violoncelista Matias Roque. A montagem integra o circuito promovido pelo SESC/RS, que levou a peça para diferentes cidades do estado, valorizando o acesso à cultura em regiões fora do eixo das capitais. Por aqui, o palco foi o Centro de Eventos da Faccat, em Taquara, com apresentação realizada dia 25 de julho.

Escrita pelo premiado dramaturgo espanhol Rodolf Sirera, a obra é um verdadeiro duelo psicológico entre um excêntrico marquês e um ator prestes a mergulhar numa encenação perturbadora. A direção é de Eduardo Figueiredo, que idealizou a montagem especialmente para Osmar Prado, logo após o ator concluir sua marcante participação na novela Pantanal, da TV Globo, como o inesquecível Velho do Rio. Durante sua passagem pela região, os atores concederam uma entrevista exclusiva ao Drops do Cotidiano. Confira os principais trechos:

Drops – Osmar, o que te motivou a voltar aos palcos com O Veneno do Teatro? E, Maurício, como tem sido a experiência de circular com esse espetáculo pelo Brasil, especialmente em cidades fora do eixo das capitais, como Taquara?

Osmar Prado: Receber esse texto foi um presente. Eu estava há dez anos sem fazer teatro, e tinha dito a mim mesmo que só voltaria se fosse por algo que realmente me tocasse. Quando li o texto, percebi de cara: era isso. O convite veio do Eduardo Figueiredo, um diretor brilhante, que teve a coragem e a sensibilidade de me propor esse desafio após Pantanal. A peça tem uma força visceral, emocional, exige corpo e muita entrega na interpretação.

Maurício Machado: Estar no Rio Grande do Sul e em cidades como Taquara, pelo circuito do SESC, é emocionante. O público é caloroso, receptivo, curioso. Ver o teatro sendo valorizado fora dos grandes centros é uma alegria e uma responsabilidade. O interior tem sede de cultura e nós temos sede de plateia. Essa troca é fundamental.

Drops – A peça traz um jogo de poder, manipulação e verdade, onde a arte e a ética são postos à prova. Quais reflexões você acredita que ela desperta no público?

Maurício Machado: A peça parte do confronto entre dois homens – um marquês, autor de uma obra, e um ator, convidado a encená-la. Mas esse convite é, na verdade, uma armadilha. É aí que o jogo começa. O Veneno do Teatro questiona os limites entre ficção e realidade, poder e fragilidade, manipulação e verdade. Ela fala muito do humano – das máscaras sociais, das armadilhas emocionais, da ilusão do controle. A cada cidade por onde passamos, o público reage de maneira impactante. Ninguém fica indiferente. É um espetáculo que hipnotiza e convida à reflexão.

Drops – Osmar, seu personagem (o Marquês) é tirânico, manipulador, quase psicótico. Como foi construir essa figura tão densa?

Osmar Prado: Foi desafiador. Eu já havia interpretado figuras complexas, como Adolf Hitler, no teatro, em Uma Rosa para Hitler. E sempre disse: é preciso representar até os monstros, para que a gente os entenda, os critique, os enfrente. O Marquês é o poder absoluto, o controle pelo controle.

Para compor, resgatei emoções extremas, traços sombrios da psique humana. E isso exige muito, física e emocionalmente. Mas também é libertador. O teatro é um campo de batalha da alma. E esse texto, com todas as suas nuances, é um presente para o ator.

Drops – Vocês mencionaram o violoncelo de Matias Roque como parte essencial da peça. Como a música se integra à dramaturgia?

Maurício Machado: A música é o nosso terceiro personagem. O violoncelo pontua cada tensão, cada silêncio, cada transição emocional. É tudo ao vivo, o que torna cada sessão única. A trilha cria atmosferas – às vezes delicadas, às vezes sufocantes – que conduzem o público por uma verdadeira montanha-russa emocional.

Osmar Prado: Tem uma cena que só funciona porque tem a ária da quarta corda de Bach tocada ao vivo. A música é a forma mais universal de expressão humana. Ela entra pelos poros. E ter isso no palco, com a sensibilidade do Matias, é um luxo.

Drops – E, para encerrar: qual a importância de seguirmos valorizando o teatro, especialmente num tempo de telas, conteúdos curtos e distrações constantes?

Osmar Prado:
O teatro é o último lugar onde a gente ainda pode respirar junto. Onde a palavra tem tempo, tem corpo, tem olhar. Em tempos de superficialidade, ele nos convida à profundidade e à presença. O teatro é resistência e transformação, o tempo todo. Por isso, o meu convite é: apreciem o teatro. Sempre!

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