A escrita como disciplina, nos coloca entre o dom e o ofício

Costuma-se dizer que escrever é um dom — uma centelha criativa que nasce com alguns poucos afortunados. Eu, com o tempo e a prática, compreendi que a escrita é, acima de tudo, um ofício. E como todo ofício, exige disciplina. É ela, mais do que a inspiração passageira, que transforma o hábito de escrever em arte.

A disciplina é o que nos leva a escrever mesmo quando as ideias parecem escassas. É o que nos faz voltar ao texto, reler, reescrever, lapidar. Porque escrever bem não é apenas escrever — é reescrever. Como disse o autor francês Paul Valéry: “Um poema nunca está terminado, apenas abandonado.” Essa frase me acompanha sempre que revisito meus próprios versos. Costumo escrever um poema e deixá-lo repousar por alguns dias. Quando retorno a ele, com olhos menos apaixonados e mais críticos, consigo enxergar o que precisa ser reestruturado, o que pode ser refinado. É nesse processo que o texto amadurece — e eu, junto com ele.

Importante salientar que não há escrita sem leitura. A base leitora é o alicerce de qualquer escritor. Nossos mestres literários moldam nossa voz, nossa sensibilidade, nossa visão de mundo. Por isso, é essencial escolher bem o que se lê. Em tempos de excesso de informação, somos constantemente bombardeados por textos superficiais — não necessariamente mal escritos, mas vazios de profundidade. É preciso resistir à tentação da leitura fácil e buscar obras que nos desafiem, que nos provoquem, que nos transformem.

Na adolescência, eu rabiscava poemas e pequenas histórias. Depois, a vida adulta me engoliu com seus compromissos e urgências. A escrita ficou adormecida, mas nunca esquecida. Foi através de novas leituras e do retorno aos estudos — cursos de escrita, grupos de leitura — que reencontrei meu caminho. E voltei com método, com constância e com entrega. Hoje, escrever, para mim, é um exercício de presença. É estar atento ao mundo e a si mesmo. É construir sentido com palavras, mesmo quando tudo parece caos. E, acima de tudo, é um gesto de persistência — porque a beleza do texto não está apenas na primeira versão, mas na coragem de reescrevê-lo até que ele diga, com precisão, o que antes era apenas intuição.

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