A observação atenta e o ofício das Letras

É bem verdade que, para nós, escritores e gente do ofício das letras, a disciplina e a organização são pilares inegociáveis, pelo menos para mim. O ritual da escrita, a constância da página em branco a ser preenchida, tudo isso exige a rigidez de um maestro regendo a orquestra das palavras. Já bati nesta tecla outras vezes, e a insistência é justa: sem método, o talento se esvai como fumaça. Entretanto, se a disciplina é a fundação da nossa casa, o que seria dela sem as janelas, as varandas e o jardim?

Refiro-me aos elementos que nos cercam, ao repertório vastíssimo que se oferece gratuitamente para alimentar a alma e a caneta (eu gosto de escrever manualmente). E, de tudo o que está à nossa volta, nada é mais generoso e inesgotável em matéria-prima do que a Natureza.

Ah, o olhar para a natureza primaveril, me encanta… É ali que a rigidez da disciplina encontra a suavidade da inspiração. Não falo apenas do sublime, da montanha majestosa ou do oceano em fúria. Falo do detalhe miúdo, do trivial que se torna poesia. Pare e observe as cores que se desdobra na pétala de uma flor ou do simples movimento de uma folha que cai, numa espiral lenta que nos ensina sobre o tempo e a gravidade. O som da chuva, o cheiro de terra, tudo se transforma em metáfora para a melancolia ou a renovação.

Como podemos falar sobre recomeços sem evocar a teimosia de uma pequena semente que rompe o asfalto? Como descrever a efemeridade sem pensar no orvalho da manhã que dura apenas um suspiro sob o sol? 

É no contato com essa desordem perfeita — o vento que não pede licença, a água que escolhe o caminho mais sinuoso — que encontro as opções de escrita mais ricas. A natureza não é apenas um tema, mas uma vasta biblioteca de ritmos e silêncios que aguardam ser lidos e transcritos. Ela me obriga à acuidade observacional necessária para fugir do lugar-comum.

Então, hoje, eu fiz o que deveria fazer: deixei a desorganização perfeita do mundo sentar-se ao meu lado. E, só então, percebi uma vitalidade renovada. Simplesmente me permiti contemplar a poesia que estava circundante. É assim que o rigor da técnica se une à liberdade da alma. E é assim que o texto, finalmente, ganha vida.

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